Por Gabriela de Campos Mendes
Nutricionista. Especialista em Nutrição Clínica. Pós graduação em andamento em Comportamento Alimentar e Transtornos Alimentares. Mestranda em Ciências da Saúde.
E-mail: gabi.decamposm@gmail.com
Instagram: @ggabimendes
A construção das preferências alimentares inicia-se ainda na vida intrauterina, por meio das alterações do líquido amniótico decorrentes de hábitos dietéticos maternos e continuam após o nascimento com o aleitamento. Desta forma, destaca-se a importância dos MIL DIAS, fase que compreende desde a gestação aos dois primeiros anos de vida, em que a criança necessita de suporte nutricional adequado e, para além disso, um ambiente familiar propício para o desenvolvimento do seu comportamento e autonomia alimentar afim de promover boas repercussões em suas próximas fases de vida.
Um momento marcante dentro dos mil dias é a golden hour ou hora dourada, que consiste na primeira hora após o nascimento, quando o recém-nascido é colocado para ficar em contato pele a pele com sua mãe, e assim se sinta acolhido e posteriormente amamentado. Este contato precoce auxilia a produção do leite materno, manutenção da temperatura do bebê, diminuição de riscos de infecção devido o contato pele a pele, diminuição da mortalidade infantil e a promoção do vínculo.
Com o crescimento do recém-nascido e a entrada do sexto mês, inicia outro momento crucial: a introdução alimentar. Esta fase requer paciência e persistência por parte dos cuidadores devido a necessidade da produção das refeições, oferta de alimentos adequados e observação dos sinais de fome e saciedade da criança. Tais sinais podem ser exemplificados como:
- Sinais de fome: inquietação, busca por alimento/mamilos, choro, inserção de objetos na boca ou a própria mão.
- Sinais de saciedade: fechar a boca, empurrar a comida, se distrair, guardar o alimento na bochecha e, em último caso, engolir e vomitar.
É recomendado na introdução alimentar que seja ofertado um alimento novo por vez, para que possa ser observada a resposta da criança ao alimento em relação a aceitação e alergias. Ressalta-se que as recusas podem ocorrer devido ao paladar não estar familiarizado com os sabores salgados e amargos, podendo necessitar mais de dez tentativas diferentes para que o alimento seja apreciado pela criança.
Na medida em que os cuidadores se sentem confortáveis e confiantes, chega a hora da alimentação independente, em que a criança já consegue segurar os alimentos com as mãos ou talheres. A partir dessa fase, fica cada vez mais nítido o surgimento das preferências e hábitos alimentares. Tais características são influenciadas também pelos sistemas sociais.
Assim, o Modelo Ecológico proposto por Bronfenbrenner desenha a interação da criança com os contextos as quais estão expostas que influenciam direta e indiretamente. Este modelo é apresentado em quatro sistemas: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema.
- Microssistema: compreende os contextos mais próximos da criança onde a mesma está envolvida e possui experiências diretas como a família, amigos e escola.
- Mesossistema: refere-se às relações dos contextos do microssistema, por exemplo, as relações entre a família e o ambiente escolar. Neste meio, ressalta-se a importância dos pais e cuidadores estarem ativamente na escola e da escola acolher a presença deles, principalmente no que se diz respeito a educação alimentar e nutricional.
- Macrossistema: influenciado pelo microssistema e mesossistema, compreende amplos determinantes de desenvolvimento, ou seja, contextos que a criança não participa ativamente, mas que a influenciam, como por exemplo as condições de trabalho de seus pais. Também consiste na organização das instituições sociais, das ideologias presentes no meio da criança, como a legislação e programas de promoção da alimentação saudável.
O desenvolvimento da criança refere-se à interação dos contextos dentro de cada sistema e entre os diferentes sistemas entre si, à influência dos contextos mais próximos como os comportamentos parentais e os mais distantes como o marketing das indústrias em relação aos alimentos infantis.
Diante dos sistemas influenciadores, os familiares e cuidadores sendo os mais próximos dos contextos, através do seu vínculo, conseguem proporcionar um direcionamento para criança, afim de promover a autonomia alimentar da mesma. Os pais então se tornam espelhos, e seus filhos serão intuídos a copiarem. Ausência na rotina do filho, a compensação através de alimentos ricos em açúcar e/ou gordura, carência de referência de alimentação saudável, obrigação de comer frutas e verduras com associação de alimentos bons e ruins, podem ocasionar desfechos negativos para a saúde da criança.
Sabe-se que a criança e o adolescente passam por muitas mudanças no que se diz respeito ao desenvolvimento físico, cognitivo, social e emocional. Assim, é interessante que os responsáveis se atentem as mudanças ocorridas e possam incentiva-los da melhor forma, neste período. Os pais possuem a incumbência de decidir o quê, quando e onde será oferecida a refeição, preparar o alimento e providenciar refeições regulares adequadas. E no momento das refeições torna-las agradáveis, promover experiências novas com a comida, não rotular os alimentos em saudáveis e não saudáveis, evitar o hábito de beliscar, trazê-los para a mesa e aceitar o crescimento de acordo com seu biotipo, evitando comentários sobre a forma e o tamanho do corpo.
Para a promoção da autonomia alimentar da criança é valioso incentivar e/ou legitimar as ações dela envolvidas no ato de comer:
- permitir que ela decida se vai comer ou não,
- respeitar o quê e o quanto ela deseja comer,
- sentar-se à mesa
- cultivar a atenção ao se alimentar, evitando distrações;
- disponibilizar talheres apropriados
Em algumas situações, devido a imaturidade da criança, a mesma optará por não comer. Mas os cuidadores, de forma atenta e afetiva, devem se manter neutros e realizar acordos de forma amigável para que a criança fique sentada à mesa e disponibilizar a próxima refeição no horário de costume, não permitindo belisques e distrações. O foco então se torna a refeição e não a quantidade e quando ela conseguirá comer. A preocupação e o medo por parte dos pais de que a mesma poderá ter um atraso no seu desenvolvimento precisa ser acolhida e validada, mas não a ponto de ser transmitida à criança, sem justificativas de chantagens, pressões e bonificações.
Para auxiliar no comportamento alimentar da criança recomenda-se a busca de um profissional nutricionista que trabalhe com a abordagem comportamental que possibilitará entender os fatores internos e externos que estão influenciando as atitudes alimentares. É importante avaliar o estado nutricional, investigar possíveis deficiências de nutrientes, aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais relacionados à alimentação, auxiliar os cuidadores no estabelecimento da rotina alimentar e acolher e acalmar os pais, promovendo o vínculo entre eles e seus filhos.
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Bibliografia sugerida:
Alvarenga, M.; Antonaccio, C.; Timerman, F.; Figueiredo, M. Nutrição Comportamental. 1. ed. Barueri, SP: Manole, 2015. 549p.
Andrade, M. G. M. A. M. Determinantes Sociais e Psicológicos do Comportamento Alimentar Infantil. 2014. 297 f. Tese (Curso de Formação Avançado do Doutoramento em Psicologia na Especialidade de Psicologia da Saúde) – Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, 2014.
Chatoor, I. Quando seu filho não quer comer (ou come demais): o guia essencial para prevenir, identificar e tratar problemas alimentares em crianças pequenas. Ed Brasileira. Barueri, SP: Manole, 2016. 150 p.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2019. 265 p.
Rezende, F. A. C.; Penaforte, F. R. O.; Martins, P. C. Comida, Corpo e Comportamento Humano. São Paulo: IACI Editora, 2020. 238p.
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